Pedro
Saraiva, da 10ª Câmara Cível, reforma decisão de juíza que cortara o
benefício após matérias do iG. Márcia Couto se casou no religioso e teve
dois filhos, mas nega matrimônio.
Márcia Couto brinda ao casamento, em 1990. À Justiça, porém, nega ter sido casada por pensão de R$ 43 mil.
O
desembargador Pedro Saraiva de Andrade Lemos, da 10ª Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Rio, devolveu a Márcia Maria Machado Brandão
Couto, filha de magistrado morto há 30 anos, o direito a pensões mensais
de R$ 43 mil. A decisão reformou a sentença da juíza Alessandra
Tufvesson (15ª Vara de Fazenda Pública), que cortara os benefícios dois
dias depois de o iG revelar o caso, em maio de 2012. Leia mais: Justiça
do Rio garante pensão de R$ 43 mil para filha de desembargador
Segundo
a lei 285/79, o matrimônio “é causa extintiva do recebimento de pensão
por filha solteira”. Originário do tempo em que mulheres não estavam no
mercado de trabalho, o benefício pretende garantir a subsistência e a
proteção financeira da filha do funcionário morto até que comece a
trabalhar ou se case.
Márcia
Couto, em seu casamento, em 1990. Apesar dos dois filhos do casal, ela
nega ter sido casada Uma série de reportagens do iG mostrou que a “filha
solteira” Márcia Couto casou-se no religioso e teve dois filhos com o
marido – de quem depois pediu “alimentos” para os rapazes em juízo,
declarando ter sido casada. Na ação popular que pede o cancelamento das
pensões, porém, ela tem outra versão: nega ter tido união estável e ser
“filha solteira”. Leia mais: Pensionista dá versões distintas sobre
casamento em ações diferentes
Embora trabalhe como dentista, a
filha do desembargador José Erasmo Brandão Couto recebe duas pensões por
conta da morte do pai, em 1982: uma de R$ 24 mil do Tribunal de Justiça
e outra de R$ 19,2 mil do RioPrevidência (12 vezes o valor médio pago
pela autarquia), somando R$ 43,2 mil mensais. O expediente é visto como
uma “fraude à lei” pela Procuradoria do Estado.
A sentença da
magistrada que cortou o benefício diz que “o casamento religioso
celebrado deve ser considerado fato idôneo para terminar o direito de
recebimento de benefício previdenciário pela ré” e “um casamento que
termina em separação também é um casamento”.
A decisão do
desembargador Pedro Saraiva que lhe devolve o direito às pensões ocorreu
em agravo de instrumento à sentença. Como relator do caso no TJ, ele já
vinha mantendo, liminarmente, a pensões de Márcia, antes de a sentença
da juíza determinar o corte. Os benefícios somam R$ 559 mil, por ano, ou
R$ 2,8 milhões, em cinco anos.
Decisão não analisa o mérito do caso
A
decisão de Saraiva não analisa o mérito do caso, ou seja, o fato de ela
ter sido casada ou não, motivo da ação popular. A decisão se centra nos
aspectos formais, e tem validade até “o julgamento final da ação
popular”. A pena é de R$ 10 mil por cada dia de atraso do pagamento.
Segundo ele, o restabelecimento do benefício "não trará nenhum prejuízo
para o órgao previdenciário", e a revogação traria "graves prejuízos" a
Márcia.
Em seu recurso, a ser analisado pela Câmara Cível, a
Procuradoria do Estado defende que são necessários dois requisitos,
conjuntamente, para o efeito suspensivo: "plausibilidade do direito
alegado" e "perigo da demora" na espera na decisão judicial. Na opinião
dos procuradores, como o desembargador não analisa o fato de a ré ter
sido casada e tido dois filhos com o companheiro, a plausibilidade não
estaria presente - e, portanto, o efeito suspensivo não poderia ter sido
dado.
A decisão afirma que a pensão tem natureza alimentar, o
que impede o Estado de reaver os pagamentos, ainda que futuramente, a
Justiça casse definitivamente os benefícios.
Rio tem 30.239 pensionistas "filhas solteiras" e cortou 3.529 após matérias
Ação
popular questiona as duas pensões que Márcia Couto recebe do Estado O
iG mostrou que o caso de Márcia Couto não é isolado no Estado do Rio: o
RioPrevidência paga a 30.239 pensionistas “filhas solteiras”, ao custo
anual de R$ 447 milhões . As autoridades desconfiam que muitas mulheres,
como Márcia Couto, formam família, mas evitam se casar oficialmente,
com o único objetivo de não perder a pensão.
A Procuradoria Geral
do Estado entende que essa admissão interrompe o direito de recebimento
ao benefício. Após as reportagens, o RioPrevidência iniciou
recadastramento, para coibir fraudes e pagamentos indevidos, e anunciou o
corte de 3.527 pensões de mulheres, casadas de fato, que reconheceram
isso em termo de responsabilidade – 122 se recusaram a assinar o
documento, e 8.327 nem apareceram. O Ministério Público do Estado do
Rio também abriu inquérito civil para investigar a questão das "filhas
solteiras".
Advogado diz que Márcia "jamais descumpriu a lei"
A
assessoria do TJ informou que "o desembargador Pedro Saraiva de Andrade
Lemos apreciou o recurso interposto, o que resultou na expedição do
agravo de instrumento" e que, "neste caso, não cabe a análise de
mérito". Segundo o TJ, a ré tem direito à pensão até que o processo
transite em julgado. Não há previsão de quando o agravo será julgado
pela 10ª Câmara.
O iG ligou esta segunda para o advogado de
Márcia, José Roberto de Castro Neves. Ele atendeu ao telefonema e disse
que ligaria de volta, mas não retornou a ligação. Na ocasião da
sentença, ele afirmara que “Márcia jamais descumpriu a lei”.
Castro
Neves reconheceu a legitimidade do debate sobre a pensão para “filha
solteira”, mas salientou que a cliente “sempre agiu de acordo com a
lei”. “Se as pessoas entendem que a lei é boa ou ruim (é outra
questão)... Mas ela sempre agiu de acordo com a lei, que dá direito ao
benefício”, disse. O advogado afirmou que Márcia não foi casada, mas
“mãe solteira” de dois filhos, e é “uma pessoa boníssima e generosa”.
Fonte: www.ig.com.br